29 de maio de 2007

Pela Serra Amarela na senda de Miguel Torga

No domingo, 27 de Maio, fomos fazer uma caminhada organizada pela AAEUM – Associação de Antigos Estudantes da Universidade do Minho , na sequência do simpático convite do seu presidente, caminheiro e dinamizador destas actividades na AEUM (e não só..), Jorge Louro.


O percurso (Brufe-Louriça-Barragem de Vilarinho das Furnas) “baptizado” Pela Serra Amarela com Miguel Torga teve como pretexto a caminhada que Miguel Torga realizou em 25 de Julho de 1945 e que descreveu no seu diário (os excertos aqui reproduzidos foram retirados da divulgação da AAEUM):

Todo o dia pela Serra Amarela, a percorrer vezeiras, a visitar fojos de lobos e a quebrar a cabeça no enigma de quinze ou vinte casarotas perdidas numa chapada, que ou são túmulos de uma necrópele celta, ou habitações pastoris de verão, ou acampamento de tropas romanas, ou armadilhas que o diabo pôs ali para tentação de almas ignorantes. Não sei se alguém de saber já por lá passou e viu aquilo. Uma inscrição em caracteres estranho vai-se apagando no granito, os pastores vão atirando ao chão as lages que cobrem os dolmens ou as construções, e daqui a algum tempo não restará de todo o mistério nenhum sinal. Mas talvez seja melhor assim. Os mistérios são o alimento natural do tempo. E quando os anos os digerem, fica tudo em paz.

Talvez porque se tenha referido que esta caminhada era mais difícil e longa que as anteriormente organizadas pela AAEUM e certamente pela previsão de um domingo de chuva, para além de nós, apenas mais 3 pessoas (o Jorge Louro, o Tiago e o Jota), partiram de Brufe, por volta das 10H30m da manhã.

A manhã estava invernosa e feia. Chuva - que foi geralmente fraca mas que momentaneamente foi um pouco forte -, nevoeiro, muito nevoeiro, que nos roubou completamente a vista sobre barragem de Vilarinho e o Gerês durante a subida, e um vento gélido que soprava mais forte nas passagens expostas a Norte foram a nossa companhia. Para os portugueses que pensam que caminhadas é coisa para estrangeiros ou malucos, então este era um dia em que apenas estrangeiros malucos se meteriam na montanha!


Mas mesmo assim, lá partimos para subir a Serra Amarela, sensivelmente de sudoeste para nordeste, de Brufe (760m) até ao Alto da Louriça (1359 m), onde estão várias antenas retransmissores.

A visibilidade era muito reduzida, já que o nevoeiro não nos permitia ver mais de 100 metros, quando parecia estar a levantar, ou menos de 20 metros, quando parecia querer fechar-se sobre nós. O Jorge Louro que já tinha feito o percurso não uma, mas duas vezes, lá foi tentando descrever as vistas magníficas que se desfrutam dos sítios por onde passávamos, e nós bem tentamos usar a imaginação para conseguir “ver” mais do que os escassos metros de vegetação e pedras que o nevoeiro nos deixava distinguir.




Saídos de Brufe, subindo suavemente ao princípio, e de forma progressivamente mais acentuada a seguir, fomos até Mata Porcos (cerca de 1100m), e daí até à Chã do Salgueiral (quase 1200m), onde se encontram as “casarotas” que quebraram a cabeça de Torga durante umas horas.

O nevoeiro e o frio intenso não nos deixaram ficar aí mais do que 10 ou 15 minutos. As mãos geladas e os pés a ficarem encharcados e frios (pela primeira vez as botas “meteram água”, que entrou por cima, dado que não levamos calças impermeáveis...) não permitiram também “matar” a cabeça com a origem das “casarotas”, que acabamos por não ver todas. Mas ficaríamos muito surpreendidos se fossem algo mais que construções ligadas à pastorícia, como antas ou estruturas defensivas, o que já foi sugerido.



Saídos das casarotas da Chã do Salgueiral, cerca das 12H15m, seguimos em direcção ao Poulo do Vidoal, onde encontramos um muro que se prolonga por vários quilómetros, e que parece ter sido construído pelos habitantes de Vilarinho das Furnas, para delimitar territórios e evitar o extravio, ou o roubo de gados. O muro não é alto, mas é uma construção impressionante, tendo em conta a sua localização, a topografia do terreno, com declives acentuados, e a extensão. Uma espécie de muralha da China à dimensão de Vilarinho das Furnas...

Usando-o como referência e orientação, e seguindo por um e outro lado deste muro, por caminho que (como no poema) muitas vezes não existe e se faz apenas caminhando, verdadeiramente a “corta-mato”, por entre um “matagal” de giestas chegamos finalmente ao Alto da Louriça, o ponto mais alto da Serra Amarela com 1359 metros, pouco antes das 14H.

Aí paramos para descansar e comer, mas tivemos de nos apertar os cinco no pequeno alpendre da antena da TSF, uma vez que os outros alpendres de maiores dimensões e com melhores condições tinham sido escolhidos, visitados e “armadilhados” recentemente pelas vacas que se regalam com os pastos da serra. O nevoeiro e o frio continuavam, quando saímos das antenas, cerca das 14H30.

Felizmente, as coisas começaram a mudar pouco depois. Ainda antes das 15H, após passarmos em Sonhe, quando descíamos para a Mata do Cabril, o nevoeiro começou a levantar e a deixar ver o contorno das montanhas, do lado português e do lado galego. A seguir, do lado esquerdo, ficou visível a albufeira do Lindoso.






Já no interior da bela Mata do Cabril, por entre carvalhos e azevinhos, fomos involuntariamente incomodar a tranquilidade da refeição de um grupo de garranos que pastavam mesmo no meio do caminho. Eles ainda tentaram avançar e parar no caminho mais duas ou três vezes, mas uns trezentos metros depois, acabaram por desistir de continuar no trilho que estávamos a percorrer, e retiraram-se cerca de 10 metros para o lado esquerdo. Na passagem pelo grupo vimos então que aí existia um garrano muito jovem e uma égua ainda prenha (o que revela que a época do nascimento de garranos se estende por 2 ou 3 meses na Primavera).




Depois da Mata do Cabril, seguindo as mariolas (nem sempre muito visíveis), aproveitando a experiência o conhecimento do terreno, e o GPS..., do Jorge e do Tiago, prosseguimos em direcção a sul. Nesta parte do percurso, com descidas geralmente suaves, pequenas zonas de “planalto” e uma paisagem dominada pela urze e pela carqueja, passamos por um abrigo de pastor, ainda bem conservado, que alguns não resistiram a visitar...




Pouco depois, olhamos para trás, e finalmente conseguimos ver ao longe as antenas do Muro/Louriça, que de manhã não eram descortináveis a mais de 50 metros. Nesta altura o nevoeiro e o frio já tinham desaparecido completamente, e no céu, ainda que pejado e nuvens, já o sol por vezes espreitava.




Continuando a descida, ainda suave, passando entre o Ramisquedo e Porto Covo até Peijoqueiras, passamos por um bonito prado, cujo tom verde, vivo e viçoso, se distinguia desde longe.




Mais à frente, já se começou a avistar a albufeira de Vilarinho das Furnas e pouco depois voltamos a ver um novo grupo de garranos à distância.






A partir daqui a descida foi mais íngreme, por um caminho de pé posto, que num breve trecho se encontra em excelente estado, mas depois piora e quase desaparece. Tendo deixado de ser usado e mantido pelos habitantes da submersa aldeia de Vilarinho há quatro décadas é natural que o caminho se tenha degradado e quase desaparecido. Mas não pude deixar de pensar na Via Nova/Geira, que percorre o outro lado da albufeira do Rio Homem, e como resistiu ao tempo. Como resistiu a mais de mil e quinhentos anos após o desaparecimento das legiões de Roma. Claro que isto aconteceu não apenas pela qualidade da engenharia romana, mas sobretudo porque a Geira continuou a ter valor e a ser usada, e mantida, por dezenas de gerações até ao século XX.

A parte final da descida voltou a ser um verdadeiro corta-mato por entre a “floresta” de giestas que recobriu completamente o antigo caminho. No final do giestal chegamos junto a um moinho, e a um belo carvalhal, que convida a umas tardes de descanso na sua fresca sombra. Por fim, chegamos à albufeira, junto ao local onde está submersa a aldeia de Vilarinho das Furnas, sendo ainda visíveis alguns esteios, do que outrora terão sido ramadas.




A partir daqui percorremos o estradão de terra batida que nos levou até à barragem, onde tínhamos deixado ficar um dos carros. O podómetro marcava 24.500m, mas como fizemos um percurso com muitos desníveis, é necessário descontar aí uns 20%, o que significa que andamos cerca de 20 quilómetros.



Foi uma boa caminhada pela Serra Amarela, por onde ainda não tínhamos andado. Mas como só conseguimos ter alguma visibilidade depois das 14H30m, e na descida da Mata do Cabril para Vilarinho, ficamos com vontade de repetir o percurso, sobretudo a subida de Brufe à Louriça.

Será certamente num dia sem chuva e sem nevoeiro!

Terá sido também num dia sem chuva ou nevoeiro que Miguel Torga escreveu:

A Serra Amarela é um dos ermos mais perfeitos de Portugal. Situada entre o Gerês e o Lindoso, as suas dobras são largas, fundas e solenes. Sem capelas e sem romarias, cruzam-na os lobos, os javalis e as corças. A praga dos pinheiros oficiais ainda lá não chegou. De maneira que mora nela o sopro claro das livres asas e o riso aberto dos grandes sóis. Não há estradas, senão as da raposa matreira, nem pousadas, senão as cabanas dos pastores. É Portugal nuclear, a Ibéria na sua pureza essencial e granítica. Um pé de azevinho aqui, urzes milenárias acolá, um carvalho numa garganta, nenhum coração de entre o Douro e Minho pode deixar de se sentir aquecido e reconfortado em semelhante chão.

13 de maio de 2007

Declaração do Monte Largo

A vida reuniu-nos já maduros (mas ainda a tempo de a desfrutarmos plenamente). Por isso, eu e a Luísa descobrimos, ou redescobrimos, algumas das coisas de que hoje mais gostamos, recentemente e em conjunto. Foi o que aconteceu com as caminhadas.

Percurso de Horcados Rojos

No Verão de 2004 fomos fazer alguns dias de férias nos Picos da Europa, entre as Astúrias e a Cantábria e aí compramos as nossas primeiras botas e fizemos as nossas duas primeiras caminhadas.


Nos Horcados Rojos, com o Naranjo de Bulnes em fundo



Várias vistas do percurso de Horcados Rojos

O meu gosto pela caminhada e a orientação já eram antigos – datavam dos longínquos anos 80, de uma marcha entre o Porto e Lisboa e de várias “provas topográficas” na zona de Mafra, quando era instruendo na Escola Prática de Infantaria e por quatro meses residi no “Calhau”, como carinhosamente designávamos o Convento de Mafra, o sonho barroco de um rei absoluto.

Depois de sair da tropa em 1986, e até àquele verão de 2004, não deverei ter feito mais de uma meia dúzia de caminhadas, e quase todas até ao início dos anos 90. Após o regresso daquelas férias, e apesar de termos ficado de novo “parados” durante alguns meses, fomos fazendo novas caminhadas, e sobretudo aumentando a sua frequência, em especial na segunda metade do ano de 2005 e ao longo de todo o ano de 2006.

Este blog, é pois mais um fruto deste crescente interesse, prazer e “paixão” pelas caminhadas, pelas descobertas (de paisagens, da vegetação, da fauna, dos rios) que nos permitem, pelo bem-estar que nos proporcionam. Aqui registaremos as nossas impressões das caminhadas que faremos, e aqui colocaremos algumas das imagens que as ilustrem.

Mas este blog servirá também para registar e partilhar os textos e as fotografias das nossas numerosas viagens “mecanizadas” (de carro ou avião), que realizamos por lazer ou por motivos profissionais.

Finalmente, para além dos registos das nossas experiências presentes, usaremos ainda este espaço para alojar algumas imagens das viagens, destinos e caminhadas passadas de que mais gostamos.

Eis pois o compromisso e a declaração do Monte Largo: ser o arquivo da nossa constante exploração e descoberta do mundo...