Subida à Calcedónia
Subida à Calcedónia, uma das coroas de gloria cá da terra. A tarde estava como um veludo, e as fragas, amolecidas pela luz, pareciam broas de pão a arrefecer. Do alto, a paisagem à volta era dum aconchego de berço. Muros sucessivos de cristas — círculos concêntricos de esterilidade — envolviam e preservavam a solidão. Nas vezeiras, resignadas, as rezes esmoíam os tojos como quem ajeita um cilício ao corpo. E mais uma vez me inundou a emoção de ter nascido nesta pequena pátria pedregosa que é Portugal.
Há nessa condenação como que uma graça dos deuses. Também é preciso ser de eleição para merecer certas pobrezas...
Miguel Torga, in Diário VI
Aproveitamos este domingo para subir a Calcedónia, com a Inês a Manuela e o Nuno, seguindo o Trilho da Cidade da Calcedónia, um dos trilhos promovidos pela Câmara Municipal de Terras de Bouro e assim descrito no folheto editado pelo município de Terras de Bouro:
O Trilho Cidade Calcedónia permite uma visita ao povoado fortificado da Idade do Ferro, designado Calcedónia.
Presumivelmente de ocupação romana, este local emblemático, cujo topónimo foi criado pela efabulação erudita de alguns sábios do século XVI, indica uma origem clássica fundada pelos Argonautas (Regalo,2001).
(...)
É um trilho pedestre de pequena rota (PR) que apresenta um traçado circular com uma distância real de 7km, um tempo médio previsto de 4 horas e constitui-se por traçados declivosos que o tornam de elevada dificuldade (...).
Para nós tratou-se de uma repetição, pois já tínhamos efectuado este percurso em Março, no dia do aniversário da Luísa! Desta vez fomos cinco caminheiros, presenteados com um dia de Dezembro magnífico, pois apesar de estar um pouco frio nas zonas de sombra e quando o vento soprava, tivemos um sol radioso, um céu despejado de nuvens e uma excelente visibilidade.
O início do percurso é no Lugar do Calvário, em Covide, mesmo em frente à residencial Calcedónia, junto ao local onde se encontram as estradas EN304 e EN307. Depois de tomar um café ao som de um velho sucesso do Quim Barreiros (que pelos vistos continua a fazer furor por estas bandas...), iniciamos verdadeiramente o percurso já era quase meio-dia.
Após abandonarmos a estrada EN307 (poucas centenas de metros depois da partida) o percurso decorre por caminhos rurais, descendo ligeiramente até ao ribeiro de Freitas. Nesta fase, durante umas dezenas de metros, o caminho utiliza o itenerário da Geira, a via romana XVIII que ligava Bracara Augusta (Braga) a Asturica Augusta (Astorga), junto à milha XVIII (ainda haveremos de voltar a escrever aqui sobre a Geira e Astorga, que já percorremos parcialmente e visitamos, respectivamente, mais do que uma vez).
Depois de atravessado o ribeiro, inicia-se verdadeiramente a subida, pela encosta do Tonel, vencendo um declive de cerca de 400 metros em pouco mais de 2 km. É uma subida lenta e cansativa que nos deixou a todos esfomeados, pelo que paramos para comer um pouco antes de concluída a ascensão.
Depois de retemperadas as forças com umas belas sandes de frango no delicioso pão-da-avó, dessa instituição vimaranense que já é a Padaria das Trinas (e de que fomos vizinhos durante alguns anos), retomamos a caminhada. Concluímos a escalada e percorremos uma zona de “planalto”, sem grandes desníveis, por entre formações graníticas que parecem verdadeiras esculturas, até atingir o cabeço da Calcedónia.
Na zona do cabeço, por entre blocos e formações graníticas de grande dimensão e com disposições surpreendentes, abriga-se um pequeno bosque onde pontificam os carvalhos e as pereiras bravas. Exploramos a zona do cabeço, em busca da famosa fenda da Calcedónia (que não tínhamos localizado aquando da nossa “apressada” passagem em Março).
Depois de termos escalado, deslizado ou passado de cócoras por entre vários blocos e paredes, num dos quais até se perderam uns óculos de sol, que felizmente foram recuperados uns minutos depois, a Luísa acabou por encontrar a fenda da Calcedónia, onde penetramos os cinco.
No entanto, apenas eu e o Nuno subimos por entre as pedras e blocos que é necessário escalar para ascender na fenda. E apesar de termos chegado ao último bloco antes de abertura superior para o exterior, acabamos por não a subir, e regressamos para junto das nossas três companheiras de jornada, que tinham ficado no interior da entrada da fenda.
Depois da fenda, apesar da alegada ajuda de “todos os santos”, já que é sempre a descer até atravessar de novo o ribeiro de Freitas, o caminho volta a ser exigente e cansativo, sobretudo para os joelhos. De novo em pouco mais de 2 kms se vence um desnível de quase 400 metros, primeiro por um caminho de pé posto por entre a vegetação e a penedia, e mais à frente por um caminho de terra e saibro mais largo, mas também mais escorregadio. Por isso, ao longo da descida, com pequenos troços com grande inclinação, as pernas vão sempre a travar, e nessas alturas os joelhos é que pagam...
De novo atravessado o ribeiro de Freitas, as últimas centenas de metros do percurso são de uma subida com forte inclinação, no final já por entre casas e os ladrar dos cães que sempre nos anunciam, até chegar ao entroncamento das estradas nacionais de onde tínhamos partido. Passavam poucos minutos das 5H da tarde, e o podómetro marcava 9,5km.
Enquanto fazíamos os habituais alongamentos “pós-caminhada” a lua nasceu e caiu a noite. E no pouco tempo que ainda ficamos ali a conversar e a despedir-nos, para além da lua e da noite, chegou o frio. Em poucos minutos a temperatura deverá ter descido vários graus.
E assim, nos despedimos das caminhadas em 2007: com uma caminhada antes do Natal, consumindo antecipadamente algumas calorias, das imensas que ingerimos nos excessos gastronómicos natalícios.