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26 de dezembro de 2007

Subida à Calcedónia

Subida à Calcedónia, uma das coroas de gloria cá da terra. A tarde estava como um veludo, e as fragas, amolecidas pela luz, pareciam broas de pão a arrefecer. Do alto, a paisagem à volta era dum aconchego de berço. Muros sucessivos de cristas — círculos concêntricos de esterilidade — envolviam e preservavam a solidão. Nas vezeiras, resignadas, as rezes esmoíam os tojos como quem ajeita um cilício ao corpo. E mais uma vez me inundou a emoção de ter nascido nesta pequena pátria pedregosa que é Portugal.

Há nessa condenação como que uma graça dos deuses. Também é preciso ser de eleição para merecer certas pobrezas...

Miguel Torga, in Diário VI


Aproveitamos este domingo para subir a Calcedónia, com a Inês a Manuela e o Nuno, seguindo o Trilho da Cidade da Calcedónia, um dos trilhos promovidos pela Câmara Municipal de Terras de Bouro e assim descrito no folheto editado pelo município de Terras de Bouro:

O Trilho Cidade Calcedónia permite uma visita ao povoado fortificado da Idade do Ferro, designado Calcedónia.

Presumivelmente de ocupação romana, este local emblemático, cujo topónimo foi criado pela efabulação erudita de alguns sábios do século XVI, indica uma origem clássica fundada pelos Argonautas (Regalo,2001).

(...)

É um trilho pedestre de pequena rota (PR) que apresenta um traçado circular com uma distância real de 7km, um tempo médio previsto de 4 horas e constitui-se por traçados declivosos que o tornam de elevada dificuldade (...).

Para nós tratou-se de uma repetição, pois já tínhamos efectuado este percurso em Março, no dia do aniversário da Luísa! Desta vez fomos cinco caminheiros, presenteados com um dia de Dezembro magnífico, pois apesar de estar um pouco frio nas zonas de sombra e quando o vento soprava, tivemos um sol radioso, um céu despejado de nuvens e uma excelente visibilidade.

O início do percurso é no Lugar do Calvário, em Covide, mesmo em frente à residencial Calcedónia, junto ao local onde se encontram as estradas EN304 e EN307. Depois de tomar um café ao som de um velho sucesso do Quim Barreiros (que pelos vistos continua a fazer furor por estas bandas...), iniciamos verdadeiramente o percurso já era quase meio-dia.

Após abandonarmos a estrada EN307 (poucas centenas de metros depois da partida) o percurso decorre por caminhos rurais, descendo ligeiramente até ao ribeiro de Freitas. Nesta fase, durante umas dezenas de metros, o caminho utiliza o itenerário da Geira, a via romana XVIII que ligava Bracara Augusta (Braga) a Asturica Augusta (Astorga), junto à milha XVIII (ainda haveremos de voltar a escrever aqui sobre a Geira e Astorga, que já percorremos parcialmente e visitamos, respectivamente, mais do que uma vez).

Depois de atravessado o ribeiro, inicia-se verdadeiramente a subida, pela encosta do Tonel, vencendo um declive de cerca de 400 metros em pouco mais de 2 km. É uma subida lenta e cansativa que nos deixou a todos esfomeados, pelo que paramos para comer um pouco antes de concluída a ascensão.

Depois de retemperadas as forças com umas belas sandes de frango no delicioso pão-da-avó, dessa instituição vimaranense que já é a Padaria das Trinas (e de que fomos vizinhos durante alguns anos), retomamos a caminhada. Concluímos a escalada e percorremos uma zona de “planalto”, sem grandes desníveis, por entre formações graníticas que parecem verdadeiras esculturas, até atingir o cabeço da Calcedónia.

Na zona do cabeço, por entre blocos e formações graníticas de grande dimensão e com disposições surpreendentes, abriga-se um pequeno bosque onde pontificam os carvalhos e as pereiras bravas. Exploramos a zona do cabeço, em busca da famosa fenda da Calcedónia (que não tínhamos localizado aquando da nossa “apressada” passagem em Março).

Depois de termos escalado, deslizado ou passado de cócoras por entre vários blocos e paredes, num dos quais até se perderam uns óculos de sol, que felizmente foram recuperados uns minutos depois, a Luísa acabou por encontrar a fenda da Calcedónia, onde penetramos os cinco.

No entanto, apenas eu e o Nuno subimos por entre as pedras e blocos que é necessário escalar para ascender na fenda. E apesar de termos chegado ao último bloco antes de abertura superior para o exterior, acabamos por não a subir, e regressamos para junto das nossas três companheiras de jornada, que tinham ficado no interior da entrada da fenda.

Depois da fenda, apesar da alegada ajuda de “todos os santos”, já que é sempre a descer até atravessar de novo o ribeiro de Freitas, o caminho volta a ser exigente e cansativo, sobretudo para os joelhos. De novo em pouco mais de 2 kms se vence um desnível de quase 400 metros, primeiro por um caminho de pé posto por entre a vegetação e a penedia, e mais à frente por um caminho de terra e saibro mais largo, mas também mais escorregadio. Por isso, ao longo da descida, com pequenos troços com grande inclinação, as pernas vão sempre a travar, e nessas alturas os joelhos é que pagam...

De novo atravessado o ribeiro de Freitas, as últimas centenas de metros do percurso são de uma subida com forte inclinação, no final já por entre casas e os ladrar dos cães que sempre nos anunciam, até chegar ao entroncamento das estradas nacionais de onde tínhamos partido. Passavam poucos minutos das 5H da tarde, e o podómetro marcava 9,5km.

Enquanto fazíamos os habituais alongamentos “pós-caminhada” a lua nasceu e caiu a noite. E no pouco tempo que ainda ficamos ali a conversar e a despedir-nos, para além da lua e da noite, chegou o frio. Em poucos minutos a temperatura deverá ter descido vários graus.

E assim, nos despedimos das caminhadas em 2007: com uma caminhada antes do Natal, consumindo antecipadamente algumas calorias, das imensas que ingerimos nos excessos gastronómicos natalícios.

2 de novembro de 2007

Pelo Gerês com Miguel Torga

Vista de Rio Caldo e da albufeira da Caniçada do Miradouro da Boneca

“Há sítios do mundo que são como certas existências humanas: tudo se conjuga para que nada falte à sua grandeza e perfeição. Este Gerês é um deles."
Miguel Torga In "Diário VII"


No âmbito dos Serviços de Documentação da Universidade do Minho, onde trabalho, e das comemorações do centenário do nascimento de Miguel Torga que decorreram na Biblioteca Geral da U.M., organizamos uma caminhada Torguiana pelo Gerês, do Campo à Vila do Gerês (repetindo o percurso que tinha sido executado numa marcha organizada pela Câmara Municipal de Terras do Bouro).

O grupo de caminheiros a ser recebido pelo assessor do Presidente da Câmara Municipal de Terras do Bouro, junto ao Museu Etnográfico de Vilarinho das Furnas no Campo do Gerês


A caminhada decorreu no dia 13 de Outubro, e na sua realização contamos com a colaboração do Sindicato de Poesia de Braga, da Associação de Antigos Estudantes da U.M. e da Câmara Municipal de Terras do Bouro. Um mês antes, em 9 de Setembro, o que estava para ser apenas um reconhecimento do percurso, feito por nós, pelo Jorge Louro e pelo Tiago, transformou-se afinal numa caminhada com treze pessoas.
O grupo que fez o reconhecimento do percurso no dia 9 de Setembro

No dia 13 fomos trinta cinco caminhantes, abençoados por um dia fantástico, com muito sol, mas sem excessivo calor, e excelente visibilidade.

O grupo de caminheiros no miradouro da Boneca


Subida para Lamas

Vista sobre Campo do Gerês e a Serra Amarela na subida para Lamas (foto de 9 de Setembro de 2007)

Vista da Vila do Gerês no miradouro da Boneca

O Vale do Homem visto do miradouro da Boneca


Para além do prazer da caminhada, e do desfrutar das paisagens do percurso (Campo do Gerês-Lamas-Miradouro da Boneca-Miradouro da Fraga Negra-Vila do Gerês) tivemos ainda o privilégio de ouvir mais de uma dezena de textos (poesia e prosa) de Miguel Torga, ditos de uma forma excelente pela Marta Catarino e pelo Gaspar Machado, do Sindicato de Poesia de Braga, num cenário onde alguns deles tiveram a sua origem.


Primeira leitura de textos de Miguel Torga na partida para a caminhada na "Porta" de Campo do Gerês



Leitura de textos de Torga no Miradouro da Boneca



Leitura de textos de Torga no Miradouro da Fraga Negra


Quase todos os textos lidos foram extraídos dos Diários de Miguel Torga, e para além de passagens e poemas escritos no Gerês, foram também seleccionados outros com que se procurou exemplificar a importância da “terra” e dos “montes” no universo torguiano, e a paixão de Torga pela caminhada, pela subida das serras, pela exploração dos espaços naturais, pelo seu país (“Portugal! É por sabê-lo tão pobre e tão atormentado que o amo e o respeito tanto …” ), cuja realidade telúrica quis descobrir “pelos métodos de um almocreve”.


O percurso terminou no café Torga na vila do Gerês, onde se leram os últimos textos (incluído o que acima citei sobre Portugal) e onde cada qual procurou o que não teve no monte (no meu caso, a dose de cafeína...).



Leitura de textos de Torga no final da Caminhada, no Café Torga na Vila do Gerês



Definitivamente, aquele sábado 13 foi um dia de sorte!

29 de maio de 2007

Pela Serra Amarela na senda de Miguel Torga

No domingo, 27 de Maio, fomos fazer uma caminhada organizada pela AAEUM – Associação de Antigos Estudantes da Universidade do Minho , na sequência do simpático convite do seu presidente, caminheiro e dinamizador destas actividades na AEUM (e não só..), Jorge Louro.


O percurso (Brufe-Louriça-Barragem de Vilarinho das Furnas) “baptizado” Pela Serra Amarela com Miguel Torga teve como pretexto a caminhada que Miguel Torga realizou em 25 de Julho de 1945 e que descreveu no seu diário (os excertos aqui reproduzidos foram retirados da divulgação da AAEUM):

Todo o dia pela Serra Amarela, a percorrer vezeiras, a visitar fojos de lobos e a quebrar a cabeça no enigma de quinze ou vinte casarotas perdidas numa chapada, que ou são túmulos de uma necrópele celta, ou habitações pastoris de verão, ou acampamento de tropas romanas, ou armadilhas que o diabo pôs ali para tentação de almas ignorantes. Não sei se alguém de saber já por lá passou e viu aquilo. Uma inscrição em caracteres estranho vai-se apagando no granito, os pastores vão atirando ao chão as lages que cobrem os dolmens ou as construções, e daqui a algum tempo não restará de todo o mistério nenhum sinal. Mas talvez seja melhor assim. Os mistérios são o alimento natural do tempo. E quando os anos os digerem, fica tudo em paz.

Talvez porque se tenha referido que esta caminhada era mais difícil e longa que as anteriormente organizadas pela AAEUM e certamente pela previsão de um domingo de chuva, para além de nós, apenas mais 3 pessoas (o Jorge Louro, o Tiago e o Jota), partiram de Brufe, por volta das 10H30m da manhã.

A manhã estava invernosa e feia. Chuva - que foi geralmente fraca mas que momentaneamente foi um pouco forte -, nevoeiro, muito nevoeiro, que nos roubou completamente a vista sobre barragem de Vilarinho e o Gerês durante a subida, e um vento gélido que soprava mais forte nas passagens expostas a Norte foram a nossa companhia. Para os portugueses que pensam que caminhadas é coisa para estrangeiros ou malucos, então este era um dia em que apenas estrangeiros malucos se meteriam na montanha!


Mas mesmo assim, lá partimos para subir a Serra Amarela, sensivelmente de sudoeste para nordeste, de Brufe (760m) até ao Alto da Louriça (1359 m), onde estão várias antenas retransmissores.

A visibilidade era muito reduzida, já que o nevoeiro não nos permitia ver mais de 100 metros, quando parecia estar a levantar, ou menos de 20 metros, quando parecia querer fechar-se sobre nós. O Jorge Louro que já tinha feito o percurso não uma, mas duas vezes, lá foi tentando descrever as vistas magníficas que se desfrutam dos sítios por onde passávamos, e nós bem tentamos usar a imaginação para conseguir “ver” mais do que os escassos metros de vegetação e pedras que o nevoeiro nos deixava distinguir.




Saídos de Brufe, subindo suavemente ao princípio, e de forma progressivamente mais acentuada a seguir, fomos até Mata Porcos (cerca de 1100m), e daí até à Chã do Salgueiral (quase 1200m), onde se encontram as “casarotas” que quebraram a cabeça de Torga durante umas horas.

O nevoeiro e o frio intenso não nos deixaram ficar aí mais do que 10 ou 15 minutos. As mãos geladas e os pés a ficarem encharcados e frios (pela primeira vez as botas “meteram água”, que entrou por cima, dado que não levamos calças impermeáveis...) não permitiram também “matar” a cabeça com a origem das “casarotas”, que acabamos por não ver todas. Mas ficaríamos muito surpreendidos se fossem algo mais que construções ligadas à pastorícia, como antas ou estruturas defensivas, o que já foi sugerido.



Saídos das casarotas da Chã do Salgueiral, cerca das 12H15m, seguimos em direcção ao Poulo do Vidoal, onde encontramos um muro que se prolonga por vários quilómetros, e que parece ter sido construído pelos habitantes de Vilarinho das Furnas, para delimitar territórios e evitar o extravio, ou o roubo de gados. O muro não é alto, mas é uma construção impressionante, tendo em conta a sua localização, a topografia do terreno, com declives acentuados, e a extensão. Uma espécie de muralha da China à dimensão de Vilarinho das Furnas...

Usando-o como referência e orientação, e seguindo por um e outro lado deste muro, por caminho que (como no poema) muitas vezes não existe e se faz apenas caminhando, verdadeiramente a “corta-mato”, por entre um “matagal” de giestas chegamos finalmente ao Alto da Louriça, o ponto mais alto da Serra Amarela com 1359 metros, pouco antes das 14H.

Aí paramos para descansar e comer, mas tivemos de nos apertar os cinco no pequeno alpendre da antena da TSF, uma vez que os outros alpendres de maiores dimensões e com melhores condições tinham sido escolhidos, visitados e “armadilhados” recentemente pelas vacas que se regalam com os pastos da serra. O nevoeiro e o frio continuavam, quando saímos das antenas, cerca das 14H30.

Felizmente, as coisas começaram a mudar pouco depois. Ainda antes das 15H, após passarmos em Sonhe, quando descíamos para a Mata do Cabril, o nevoeiro começou a levantar e a deixar ver o contorno das montanhas, do lado português e do lado galego. A seguir, do lado esquerdo, ficou visível a albufeira do Lindoso.






Já no interior da bela Mata do Cabril, por entre carvalhos e azevinhos, fomos involuntariamente incomodar a tranquilidade da refeição de um grupo de garranos que pastavam mesmo no meio do caminho. Eles ainda tentaram avançar e parar no caminho mais duas ou três vezes, mas uns trezentos metros depois, acabaram por desistir de continuar no trilho que estávamos a percorrer, e retiraram-se cerca de 10 metros para o lado esquerdo. Na passagem pelo grupo vimos então que aí existia um garrano muito jovem e uma égua ainda prenha (o que revela que a época do nascimento de garranos se estende por 2 ou 3 meses na Primavera).




Depois da Mata do Cabril, seguindo as mariolas (nem sempre muito visíveis), aproveitando a experiência o conhecimento do terreno, e o GPS..., do Jorge e do Tiago, prosseguimos em direcção a sul. Nesta parte do percurso, com descidas geralmente suaves, pequenas zonas de “planalto” e uma paisagem dominada pela urze e pela carqueja, passamos por um abrigo de pastor, ainda bem conservado, que alguns não resistiram a visitar...




Pouco depois, olhamos para trás, e finalmente conseguimos ver ao longe as antenas do Muro/Louriça, que de manhã não eram descortináveis a mais de 50 metros. Nesta altura o nevoeiro e o frio já tinham desaparecido completamente, e no céu, ainda que pejado e nuvens, já o sol por vezes espreitava.




Continuando a descida, ainda suave, passando entre o Ramisquedo e Porto Covo até Peijoqueiras, passamos por um bonito prado, cujo tom verde, vivo e viçoso, se distinguia desde longe.




Mais à frente, já se começou a avistar a albufeira de Vilarinho das Furnas e pouco depois voltamos a ver um novo grupo de garranos à distância.






A partir daqui a descida foi mais íngreme, por um caminho de pé posto, que num breve trecho se encontra em excelente estado, mas depois piora e quase desaparece. Tendo deixado de ser usado e mantido pelos habitantes da submersa aldeia de Vilarinho há quatro décadas é natural que o caminho se tenha degradado e quase desaparecido. Mas não pude deixar de pensar na Via Nova/Geira, que percorre o outro lado da albufeira do Rio Homem, e como resistiu ao tempo. Como resistiu a mais de mil e quinhentos anos após o desaparecimento das legiões de Roma. Claro que isto aconteceu não apenas pela qualidade da engenharia romana, mas sobretudo porque a Geira continuou a ter valor e a ser usada, e mantida, por dezenas de gerações até ao século XX.

A parte final da descida voltou a ser um verdadeiro corta-mato por entre a “floresta” de giestas que recobriu completamente o antigo caminho. No final do giestal chegamos junto a um moinho, e a um belo carvalhal, que convida a umas tardes de descanso na sua fresca sombra. Por fim, chegamos à albufeira, junto ao local onde está submersa a aldeia de Vilarinho das Furnas, sendo ainda visíveis alguns esteios, do que outrora terão sido ramadas.




A partir daqui percorremos o estradão de terra batida que nos levou até à barragem, onde tínhamos deixado ficar um dos carros. O podómetro marcava 24.500m, mas como fizemos um percurso com muitos desníveis, é necessário descontar aí uns 20%, o que significa que andamos cerca de 20 quilómetros.



Foi uma boa caminhada pela Serra Amarela, por onde ainda não tínhamos andado. Mas como só conseguimos ter alguma visibilidade depois das 14H30m, e na descida da Mata do Cabril para Vilarinho, ficamos com vontade de repetir o percurso, sobretudo a subida de Brufe à Louriça.

Será certamente num dia sem chuva e sem nevoeiro!

Terá sido também num dia sem chuva ou nevoeiro que Miguel Torga escreveu:

A Serra Amarela é um dos ermos mais perfeitos de Portugal. Situada entre o Gerês e o Lindoso, as suas dobras são largas, fundas e solenes. Sem capelas e sem romarias, cruzam-na os lobos, os javalis e as corças. A praga dos pinheiros oficiais ainda lá não chegou. De maneira que mora nela o sopro claro das livres asas e o riso aberto dos grandes sóis. Não há estradas, senão as da raposa matreira, nem pousadas, senão as cabanas dos pastores. É Portugal nuclear, a Ibéria na sua pureza essencial e granítica. Um pé de azevinho aqui, urzes milenárias acolá, um carvalho numa garganta, nenhum coração de entre o Douro e Minho pode deixar de se sentir aquecido e reconfortado em semelhante chão.